Poesia ao vivo

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Lêdo Ivo

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O caso Herzog – Audálio Dantas

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Os 10 anos da FLIP

Enviado por Adalberto Muller em qua, 27/11/2013 - 16:48  Mesa-redonda sobre os 10 anos da Flip com Zuenir Ventura, Sérgio Augusto e Flávio Moura   PARCERIA LIS & TRAVESSA Se logue para poder enviar comentários

Ana Luisa Amaral : O excesso mais perfeito

O excesso mais perfeito

Queria um poema de respiração tensa

e sem pudor.

Com a elegância redonda das mulheres barrocas

e o avesso todo do arbusto esguio.

Um poema que Rubens invejasse, ao ver,

lá do fundo de três séculos,

o seu corpo magnífico deitado sobre um divã,

e reclinados os braços nus,

só com pulseiras tão (mas tão) preciosas,

e um anjinho de cima,

no seu pequeno nicho feito nuvem,

a resguardá-lo, doce.

Um tal poema queria.

Muito mais tudo que as gregas dignidades

de equilíbrio.

Um poema feito de excessos e dourados,

e todavia muito belo na sua pujança obscura

e mística.

Ah, como eu queria um poema diferente

da pureza do granito, e da pureza do branco,

e da transparência das coisas transparentes.

Um poema exultando na angústia,

um largo rododendro cor de sangue.

Uma alameda inteira de rododendros por onde o vento,

ao passar, parasse deslumbrado

e em desvelo. E ali ficasse, aprisionado ao cântico

das suas pulseiras tão (mas tão)

preciosas.

Nu, de redondas formas, um tal poema queria.

Uma contra-reforma do silêncio.

Música, música, música a preencher-lhe o corpo

e o cabelo entrançado de flores e de serpentes,

e uma fonte de espanto polifónico

a escorrer-lhe dos dedos.

Reclinado em divã forrado de veludo,

a sua nudez redonda e plena

faria grifos e sereias empalidecer.

E aos pobres templos, de linhas tão contidas e tão puras,

tremer de medo só da fulguração

do seu olhar. Dourado.

Música, música, música e a explosão da cor.

Espreitando lá do fundo de três séculos,

um Murillo calado, ao ver que simples eram os seus

anjos

junto dos anjos nus deste poema,

cantando em conjunção com outros

astros louros

salmodias de amor e de perfeito excesso.

Gôngora empalidece, como os grifos,

agora que o contempla.

Esta contra-reforma do silêncio.

A sua mão erguida rumo ao céu, carregada

de nada –

AMARAL, Ana Luísa. As vezes o paraíso (1998). In: Inversos poesia 1990-2010. Lisboa: Dom Quixote, 2010. p. p.295-296.

Ana Luísa Amaral, lisboeta, mas radicada desde os nove anos em Leça da Palmeira, ao Norte de Portugal, é professora associada do Departamento de Estudos Anglo-Americanos da Faculdade de Letras do Porto. Começou a publicar em 1990 (Minha Senhora de Quê) a que se uniram mais nove títulos de poesia, uma Poesia reunida (1990-2005) e o volume com a poesia completa intitulado Inversos poesia (1990-2010), além de dois livros infantis. Com forte reconhecimento de público e de crítica, recebeu, em 2007, pelo livro A Génese do Amor, o Prémio Literário Casino da Póvoa / Correntes d’Escritas e, em junho de 2008, por Entre dois rios e outras noites, o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores – APE). Como tradutora, destacam-se Ponto Ultimo e Outros Poemas (poesia de John Updike), de 2009 e Cem Poemas(poesia de Emily Dickinson), de 2010. Além da excelente recepção em Portugal, seus livros estão traduzidos em diversas línguas e, na Itália, recebeu o Prémio de Poesia Giuseppe Acerbi. No Brasil, publicou A Gênese do Amor, pela editora Gryphus. E autora também, com Ana Gabriela Macedo, do Dicionário de Crítica Feminista, de 2005.

Nota biobibliográfica elaborada por Ida Alves – UFF

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